Como assim? O caminho inesperado para o meu doutorado em Sevilla

Picture from the Plaza de España, in Seville

Há cerca de um ano, resolvi fazer um doutorado. Foi uma decisão que se mesclou totalmente com a minha vinda pra Espanha, e nunca “contei” muito essa novidade para ninguém. A notícia mesmo, era que eu vinha morar em Sevilla. Meus amigos de longa data (e alguns de curta também) sabem do grande amor que sempre nutri pela Espanha, mais especificamente Sevilla. Triana, pra ser ainda mais específica. Afinal, é o bairro do Flamenco. E isso é o que sempre esteve por trás de tudo.

Então, quem tinha que saber, soube que vim pra Espanha. Não necessariamente fazer um doutorado. Sei que tem gente que, quando descobriu, pensou “lá vai Lorenna, arrumar mais uma sarna pra se coçar, inquieta como sempre, se meter num doutorado. Pra quê?” (Essa é uma pergunta que me faço todo dia, na verdade). Mas enfim, hoje vim contar um pouco de como isso tudo começou.

Tinha um Canadá no meio do caminho

Como falei antes, não é novidade nenhuma que sempre quis viver aqui. A novidade foi mesmo quando fui pro Canadá, que ninguém entendeu nada (isso explico qualquer dia). Todo mundo sabe que também gosto muito de estudar e pensei “ah, vou aproveitar que estou no Canadá, fazer um doutorado aqui e ter um título de uma universidade norte-americana”.

Procurei, procurei, mas nada se encaixava no que queria estudar. Tive longas conversas com a minha amiga e inspiração acadêmica, Alê, sobre o que eu poderia estudar, que linhas eu poderia seguir. E nada se encaixava no que eu estava buscando. Tampouco conseguia formular um tema de pesquisa que pudesse inscrever para seleção.

Além disso, lá em Toronto, depois de cinco anos, já não estava necessariamente vendo aquela decisão como algo que eu sustentaria a longo prazo. Já comecei a repensar a ideia de ter um compromisso tão longo por ali. Na verdade, o acordo que tinha feito comigo foi o de que, ok, eu moraria no Canadá e desistiria pra sempre da Espanha, mas todos os anos tiraria férias para terras hispânicas.

Aí veio a pandemia

E não teve férias na Espanha. E aí foram passando os anos, as coisas foram abrindo aos poucos e, só em 2022, consegui fazer a minha viagem, em teoria anual, para estudar Flamenco. Quando cheguei na Espanha (e olha, que cheguei por Madrid), parece que tudo o que sentia quando era mais nova veio à tona: toda a minha paixão por essa terra, a minha vontade de explorar cada parte desse país, de falar com as pessoas na rua, de dançar e ouvir Flamenco o tempo todo e de não ir embora daqui nunca.

Não parou por aí, porque ainda não tinha chegado em Sevilla. Isso só foi acontecer duas semanas depois, e só por um fim de semana forçado, depois de muita gente me perguntar por que não estava incluindo essa cidade no meu roteiro. “É a sua cidade favorita do mundo! Do que você tá fugindo? Como assim você não vai à Sevilla?’. Então encaixei um fim de semana aqui. E passei esses dois, três dias inteiros chorando (tem um pouquinho de exagero, sim, mas chorando por dentro, com certeza).

Uma amiga daqui, a Isa, me levou a um bar Flamenco (que agora, já conheço mais e frequento) e só lembro de repetir, como um disco arranhado: “o que eu tô fazendo no Canadá? Mas minha vida é tão organizada lá… Será que largo tudo e venho? Mas lá a vida é tão tranquila… Mas como? Com que visto? Não dá… Mas o que tô fazendo no Canadá?”. E ela me respondeu “se você tem 1% de dúvida, só vem. Se você tivesse certeza de que sua vida é no Canadá, não diria nada. Mas se você tem dúvida, é porque você tem que vir”. Eu não sei se ela sabe ou lembra dessa conversa, mas nunca mais esqueci essas palavras.

Lorenna, até agora você não falou do tal do doutorado…

Então, quando cheguei de volta ao Canadá, comecei a acionar todos os planos que poderia para ter um visto para a Espanha. Me dei o prazo de um ano. Era 11 setembro de 2022, e me prometi que em um ano estaria morando na Espanha (atrasei minha promessa em um mês, mas aqui estou). Comecei a estudar todas as possibilidades. TODAS. Cidadania portuguesa, impossível, ia demorar muito. Visto de nômade digital ainda não era uma possibilidade, e eu não era nômade ainda. Investidor… bom, opção descartada.

Enfim… as alternativas foram se afunilando às opções de visto de estudante que, só de pensar, me dava pânico. Já tinha tentado muitas vezes (muitas mesmo) e nunca conseguia. O medo de fracassar de novo era muito grande. Mas era a única opção. E aí, de repente, parece que todas as peças se encaixaram magicamente na minha cabeça, e o que era óbvio ficou estampado na minha cara.

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Eu iria não só resolver o tema do meu doutorado, como fazê-lo em Sevilla! Óbvio! Já queria fazer um doutorado, mas não conseguia formular meu tema, nem encontrar a minha linha de pesquisa, nem achar uma faculdade no Canadá que tivesse os ramos de estudo que queria. Porque essa faculdade estava em Sevilla! E iria fazer a minha pesquisa sobre o Flamenco, é ÓBVIO!

A preparação

Passada essa fase, chegou o momento de estudar sobre as linhas de pesquisa que fariam sentido e ler 500 artigos dos professores para encontrar um que tivesse a ver comigo. Achei poucos em Marketing e muitos em Economia. Através da Isa (a mesma amiga do bar Flamenco), consegui contato com uma professora da Universidade, que fez a ponte com o professor que seria o meu diretor de tese (vulgo “orientador”, como chamamos no Brasil). Enquanto isso, já estava desenhando o meu projeto com ajuda da (sempre ela) Alê e dessa professora da Universidade de Sevilla, que viria a ser minha co-tutora.

Fiz tudo em tempo recorde para me inscrever na segunda convocatória, em fevereiro. Lembro que já era quase Natal, e estava indo para o Brasil passar a data com minha família. O prazo era tão apertado, que passei o voo inteiro trabalhando no projeto. Lendo e escrevendo sem parar. Foi o primeiro voo para o Brasil em que fiquei o tempo inteiro acordada (e não foi por dificuldade em dormir no avião, porque esse problema, eu nunca tive 😴).

As dores e as delícias de ser uma doutoranda na Espanha

Por enquanto, só dores no doutorado. As delícias, eu atribuo 100% à Sevilla.

Pulei uma grande parte da história, se não esse texto viraria um livro. Poderia ficar horas aqui, explicando sobre o processo de como foi ser aprovada no doutorado, trabalhar em toda a documentação para o visto, planejar minha mudança etc. Mas o texto ficaria muito longo e acho que não é esse o ponto. Só digo que foi tudo com MUITA emoção, com muita correria contra o tempo, e com muita celebração silenciosa a cada etapa vencida.

No entanto, nem tudo são flores. E no doutorado, definitivamente quase não tem flores mesmo. Estudar na Espanha é bastante diferente do que havia imaginado ou esperado. Tinha uma expectativa similar à do meu mestrado na PUC, onde fiz amigos importantes de vida e mantive relações muito saudáveis, e até longas com professores de lá.

Uma jornada quase individual

Aqui na Espanha (ou no meu curso, pelo menos), não temos aulas presenciais ou em grupo. São seminários isolados e não-obrigatórios, que contam horas para uma carga horária mínima de aprovação. Com isso, é muito difícil conhecer outros doutorandos para compartilhar experiências, dicas e agonias. A jornada é muito individual: entre o aluno-investigador e o professor-diretor.

A motivação, por muito que a busque no meu tema, pelo qual sou apaixonada, muitas vezes se perde em meio às obrigações e outras responsabilidades mais importantes. No meu caso, como já expliquei em outros textos, não sou — nem quero ser — 100% doutoranda. Eu amo a minha profissão de Marketing e não me vejo longe disso por muito tempo. A minha carreira acadêmica terá sempre que dividir espaço com a minha paixão pelo Marketing e a Comunicação. Espero, um dia, encontrar uma maneira de unir as duas coisas, mas jamais deixarei de ser uma pessoa que põe a mão na massa do Marketing.

Um compromisso comigo mesma

Incluí essa categoria do meu blog de Marketing mais como um compromisso comigo mesma, do que com o objetivo de contar a minha trajetória no doutorado para uma audiência que, quase com certeza, não se interessaria por isso. O acordo é comigo. O meu objetivo aqui vai ser compartilhar semanalmente, ou quinzenalmente, o progresso que estou fazendo com o meu projeto. Quase como se fosse um relatório.

Muitas vezes eu me sinto estagnada na minha jornada e, não tenho muito onde buscar essa motivação. Acredito que se tiver o compromisso de vir aqui e contar, mesmo que um pouquinho, do que progredi, descobri e aprendi, talvez consiga encontrar, entre meus amigos, o ânimo e incentivo que preciso para continuar.

Escrever me relaxa, me motiva e me ajuda a clarear as ideias. Quando conto sobre algo que fiz, isso me dá gás para correr mais atrás ainda. Então a ideia aqui vai ser buscar essa rede de apoio (e, por que não, desabafo?) que eu não encontrei na faculdade. Pelo menos não ainda.

E aí? Topa me acompanhar nos altos e baixos dessa montanha-russa louca?

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